Ringue// Dente de Leão
- Clara Godoy
- há 3 dias
- 4 min de leitura
A sintonia me faz cair em espiral, como Alice caindo até o mundo das maravilhas. Essa sintonia, que você não sabe que eu internalizei. Talvez não espere, talvez não queira esperar.
Essa é uma noite de eclipse. A lua e o sol se sobrepõe. Eu repouso no topo do prédio, olhando para baixo. Essa é minha vida agora. Observar os arranha-céus, e pensar se dar um passo seria um erro.
Mas essa não é a resposta. E eu sei por que não. Por que a emissária do caos sairia viva de pular dessa altura.
Venha, bata na minha cara. Você não tem coragem e nesse ringue eu venceria. Eu controlo a sombra melhor do que você qualquer dia já tenha controlado. Você acha que é fácil vencer essa batalha. Poderia não ser uma batalha, mas aí você se distancia para não tomar um soco. Eu não vou perder.
Venha, com a sua força, com a sua obstinação. Duvido que consiga comparar a sua força com a minha. A emissária me treinou melhor que isso. Nos dias de primavera, de vento frio, que ela me ensinou a lutar. Que ela me ensinou que minha dor não duraria para sempre. Agora, eu sei. E você, espero que saiba, essa luta não pode ganhar. Por que esse é MEU ringue. Aqui dentro, eu tenho vantagem e você está um passo atrás.
Eu me levanto do país das maravilhas. Do ringue. Venha, me dê tudo que tem. Agora, você acha que pode me desafiar na minha casa. Pois venha. Me soque, me chute, jogue minha cabeça contra o chão. Me sufoque. Se conseguir.
Eu me levanto novamente. O ringue é ao ar livre. As árvores farfalham com o som das folhas caindo. Esse é meu outono. As folhas caem e eu encaro meu oponente. Você. Eu não quero ter que lutar. Meu pulso dói e minhas mãos cederam. Mas eu não vou desistir. Eu quero vencer. Eu preciso vencer. Eu mereço vencer. Então vamos apelar.
O poder das sombras está comigo muito mais do que com você. Ele vem junto com os socos que você toma. Ele reforça minha estrutura. Ele é forte. Por que a emissária me emprestou. Ele cresce com a minha raiva e os golpes vão cortando mais fundo. Eu sorrio. Eu quero ganhar. Eu quero te fazer sangrar.
E eu vi o sangue. O sangue e o cheiro de metal. Eu continuo golpeando. Não é como se eu quisesse parar agora. Mas eu me forço a parar. Não quero mais golpear. Mesmo querendo, eu já ganhei.
Pulo para fora do ringue. Irresignada e frustrada. Eu vou andando até o outro lado. Não importa que as pessoas me saúdem. Eu não quero a saudação delas. Eu queria te machucar. Eu queria ganhar. E ganhei.
Agora, eu quero esquecer isso. Eu quero socar uma parede. Por que isso é tão difícil? Por que quando o reflexo não reflete na água, eu me sinto assim. A raiva e a dor de querer me rebelar contra isso. Por que o tempo passa e eu não consigo me livrar disso?
Eu não posso deixar isso me consumir. Eu desisto. Eu não posso deixar isso me consumir de novo. Pare. Apenas pare. Pare de me olhar com esse rosto de perdão. Os faróis me iluminam na estrada noturna.
Eu vou pular. E espero que a emissária me salve.
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Me perdoe. Por me sentir assim. Por sentir que tudo me escapa, nesse momento. Não faça isso comigo, por favor. Não me faça sentir mais culpada por meus erros, você tem os seus. Mas agora, nada disso importa. Quando vejo seu rosto, nada mais importa. Nada mais.
Mas nem sempre posso estar com você. E eu sei disso. E a distância faz essa coisa maluca conosco. É como mergulhar e ficar sem respirar. Eu fico sem respirar. Você não consegue me tirar desse mar escuro. E ficamos distantes. E você diz que isso é minha culpa, por que eu que resolvi pular no mar de primeira instância. E você não conseguiu me tirar de lá. E agora eu estou afundando.
Você não sabe, mas eu também gostei daquilo. Na verdade, você nem sabe que eu gostei daquilo, nem conversamos sobre isso. Você acha que eu não entendo disso, você acha que não podemos gostar das mesmas coisas. E eu fico observando. Quando você vai perceber que eu gosto de muitas coisas que você gosta.
Somos de dois lugares diferentes. Na vida, somos diferentes. E ainda sim, funcionamos. Ou pelo menos eu acho que sim. E agora minha playlist está em repeat com uma música que você gosta. E eu chego em casa para assistir sua série favorita. E quando eu chego, você já foi. E quando nos falamos, é difícil. E eu sopro um dente de leão, esperando que meu desejo se concretize. Que você entenda as minhas palavras. Que eu não precise mais ficar me explicando. Que tudo flua como rio. Eu espero, eu espero.
Me diga, você sabia disso? Sabia que quando eu durmo, eu acordo pensando em você?
Espero que saiba. Espero que essas palavras te encontrem. Por que elas querem despejar do meu corpo. E eu não sei mais o que fazer. Tudo está tão
Distante.
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