Chamada
- Clara Godoy
- 2 de nov. de 2024
- 3 min de leitura
Vozes.
As ouço na chamada de discord que entrei. Por curiosidade, por vontade. Por tédio. A chamada se trata de um jogo entre amigos, como tantos outros que já fiz parte. Só que nesse, não sou bem vinda. Um arranjo me deixou de fora de um desses jogos. Sem meu conhecimento, fui subtraída dessa realidade. Fazia tempo de que não fazia parte disso. E quando fiz foi mais por namorar um dos amigos que estava em chamada, não efetivamente por ser eu. Eu, eu mesma, tenho que merecer meu lugar ali dentro. Tenho que ser forte e decidida nessa nova realidade. A realidade de estar inserida em um lugar que não me aceita. Por que eu era só a namorada daquele amigo. E agora que estamos separados, tem pessoas que me odeiam.
Sei bem quem são. Das pessoas que imagino que sejam, não interajo como deveria. As vezes dou um coice de graça. As vezes elas me ignoram. As vezes eu penso se deveria sair das chamadas, me sinto deslocadas. Mas aí lembro dos meus amigos queridos e desisto da ideia. Eu amo eles.
Vozes.
Eu ouço vozes distantes. Risadas que não compartilho. Comentários que não entendo. Narrativas que não me insiro. Mas sorrio. Sorrio em preencher o vazio. Sorrio em abraçar o perigo. Sorrio em deslocar-me do destino. Sorrio.
Vozes.
Elas não falam comigo. Não me ouvem também. Elas são de pessoas independentes. Elas são de pessoas de que de nada tem a ver com a minha vida. Pessoas que não observam as minhas derrotas, nem celebram as minhas vitórias.
Bom
Talvez exista quem celebre minhas vitórias. Mesmo que minha amizade por muitos momentos possa só parecer troco de bala. Mesmo que eu brigue. Mesmo que eu seja difícil. Mesmo que, naquela chamada, existam pessoas que me odeiam, que me desprezam, que espalharam mentiras sobre mim. Que espalharam inverdades. Talvez exista aqueles que me amam.
Vozes
Dela, não ouço. Ainda não estamos com ela aqui na chamada. Espere alguns dias.
Cansei de esperar. Amo ela, como amiga. Amo sua presença. Quero ela. Se ela estivesse aqui, comigo... só Deus viraria o olho para as coisas que faríamos. Seu corpo suado, meu. Eu por cima, eu de costas. Eu a sujulgando, ela me subjulgando, a respiração pesada, os gemidos Ah! O dedo passando por devagar na parte de dentro da coxa devagar. Calafrio. Se fosse uma bisexual da faculdade, depois da foda ela fumaria pod. Mas não ela.
Ela terminaria e se jogaria na cama. Ela recuperaria as forças por um momento. Enquanto eu, insaciável, voltaria a beijá-la. Cansei de esperar por ela. Ela nem sabe que gosto dela, Ela mora no Rio de Janeiro e eu em São Paulo. Ela mora em Paris e eu em Londres. Ela mora em Nova York e eu na California.
Ei, você
Ei, você, minha amiga
Ei, amiga, minha amiga
Venha até aqui. Venha até mim
Eu ouço vozes. Não é a sua. Gosto da nossa amizade. Não gosto da amizade das outras. Não quero ficar com mais nenhuma mulher que não seja você. Mas você nem sabe disso. Quero você comigo. Quando se formar, quando sair desse fim de mundo. Vou sustentar nosso pequeno apartamento na cidade. Você vai trabalhar aqui. Se quiser. Se quiser ficar comigo. Se quiser me aceitar. Se um dia me amar. Se um dia quiser comigo morar. Se um dia não desistir. Se um dia resistir. Se um dia ao meu charme não sucumbir.
Eu ouço vozes.
Você escreve bem. É importante prestar atenção nas vozes que ouvimos.